terça-feira, 1 de setembro de 2009

um sonho de Jung

" Mais ou menos na mesma época - eu não poderia dizer com absoluta certeza se foi antes do acontecimento relatado - tive o primeiro sonho de que me lembro e que, por assim dizer, me ocupou durante toda a minha vida. Eu tinha então três ou quatro anos.
O presbitério fica isoladom perto do castelo de Laufen, e atrás da quinta do sacristão estende-se uma ampla campina. Subitamente descobri uma cova sombria, retangular, revestida de alvenaria. Nunca a vira antes. Curioso, me aproximei e olhei seu interior. Vi uma escada que conduzia ao fundo. Hesitante e amedrontado, desci. Embaixo deparei com uma porta em arco, fechada por uma cortina verde. Esta era grande e pesada, de um tecido adamascado ou de brocado, cuja riqueza me impressionou. Curioso de saber o que se escondia atrás, afastei-a e deparei com um espaço retangular de cerca de dez metros de comprimento, sob uma tênue luz crepuscular. A abóbada do teto era de pedra e o chão de azulejos. No meio, da entrada até um estrado baixo, estendia-se um tapete vermelho. A poltrona era esplêndida, um verdadeiro trono real, como nos contos de fada. Sobre ele uma forma gigantesca quase alcançava o teto. Pareceu-me primeiro um grande tronco de árvore: seu diâmetro era mais ou menos de cinquenta ou sessenta centímetros e sua altura aproximadamente uns quatro ou cinco metros. O objeto era estranhamente construído: feito de pele e carne viva, sua parte superior terminava numa espécie de cabeça cônica e arredondada, sem rosto nem cabelos. No topo, um olho único, imóvel, fitava o alto.
O aposento era relativamente claro, se bem que não houvesse qualquer janela ou luz. Mas sobre a cabeça brilhava uma certa claridade. O objeto não se movia, mas eu tinha a impressão de que a qualquer momento poderia descer do seu trono e rastejar em minha direção, qual um verme. Fiquei paralisado de angústia. Nesse momento insuportável ouvi repentinamente a voz de minha mãe, como que vinda do interior e do alto, gritando - "Sim, olhe-o bem, isto é o devorador de homens!" Senti um medo infernal e despertei, transpirando de angústia. Durante noites seguidas não queria dormir pois receava a repetição de um sonho semelhante."

C. G. Jung - "Memórias, Sonhos e Reflexões" - Nova Fronteira